Saúde Mental

"Como é que vou explicar que toco quatro vezes na cadeira para o meu pai não morrer num acidente?"

O testemunho de Joana Marques Brás à SIC. Tinha 13 anos quando foi diagnosticada com Perturbação Obsessivo-Compulsiva. A doença apoderou-se de tal forma de Joana que a levou a ficar deitada na cama, com a convicção de que não podia mexer-se.

"Como é que vou explicar que toco quatro vezes na cadeira para o meu pai não morrer num acidente?"

Joana Marques Brás tem 24 anos, tirou o curso de jornalista mas é atriz. Tinha 13 anos quando foi diagnosticada com POC - Perturbação Obsessivo-Compulsiva. Estava no início do 7.º ano e conta que, enquanto as amigas pensavam no primeiro namorado, ela não conseguia ignorar os rituais que tinha de fazer para que nada de mal acontecesse aos pais e irmã.

Pensava muito na possibilidade de perder o pai num acidente de carro e explica o que fazia para que "isso não acontecesse" ou para aliviar a ansiedade: batia uma mão contra à outra ou batia quatro vezes na cadeira, porque quatro era o número da sorte.

"Como é que vou explicar que toco quatro vezes na cadeira para o meu pai não morrer num acidente de carro?"

Em entrevista à SIC, conta que quando estava na escola nunca disse a ninguém que tinha POC. Sentia vergonha dos comportamentos que tinha e pensava que ninguém ia perceber as suas razões.

"Eu sabia que estes pensamentos e estes comportamentos eram ridículos. E o meu colega também ia saber que era ridículo. A diferença é que eu tinha de o fazer para conseguir que a minha ansiedade diminuísse ou terminasse", afirma.

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"Só quero dormir até que isto passe"

A doença apoderou-se de tal forma de Joana que a levou a ficar deitada na cama e com a convicção que não podia mexer-se.

Recorda-se que um dia acordou e ficou cerca de 10 minutos na cama sem se mexer. Confessa que o pensamento era: "seu eu ficar assim o dia todo, não vou ter de fazer nenhum ritual e vai correr bem".

"Eu acordava, abria os olhos e ficava sem mexer um músculo. Nem pestanejava ou então tinha de repetir, se pestanejasse".

Nesse dia, quando a mãe entrou no quarto e perguntou o que se passava, Joana respondeu: "Só quero dormir até que isto passe".

Aos 13 anos, fazia os rituais para conseguir coisas. "Eu vou acender a luz três ou quatro vezes para conseguir uma coisa que eu quero muito", era assim que pensava.

No início, Joana fazia entre 15 a 20 rituais por dia. Mas rapidamente esse número se multiplicou muitas vezes.

"Lembro-me de chegar a um ponto em que os rituais estavam a crescer e eu às tantas já estava a fazer 200 ou 300 rituais por dia".

Durante dois meses, a atriz teve de lidar com as compulsões e as obsessões da forma que conseguiu. "Comecei a ter os primeiros rituais no 7.º ano, em setembro, e em novembro a minha mãe levou-me a uma pedopsiquiatra", conta.

Diz que não teve tempo para "não imaginar que era uma doença". Fala da ajuda da mãe em todo o processo e da forma como sempre se manteve atenta aos sinais da filha.

"Se continuasse a ter POC, hoje em dia estava fechada em casa"

Joana encontrou ajuda especializada que fez com que aprendesse a lidar com a doença e a ultrapassar as consequências da mesma. Diz mesmo que se não tivesse sido acompanhada e se hoje continuasse a ter POC, muito provavelmente estaria "fechada em casa sem conseguir sair".

"À velocidade que a doença aumentou, às coisas que me tirou e à incapacidade que eu tinha de estar socialmente. Se eu não fosse ter com a Dr.ª Sofia, acho que hoje estava fechada em casa".

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"Já tenho ferramentas para lidar com a minha ansiedade"

As dores de barriga foram um sinal constante de ansiedade no caso de Joana. Por exemplo, se tinha de fazer uma prova, sentia dores de barriga, se tinha de fazer um exame, sentia dores de barriga no dia anterior e na manhã do dia do exame. A mãe de Joana chegou a ser chamada à escola várias vezes por causa das dores de barriga da filha.

Joana diz que hoje já tem ferramentas que a ajudam a lidar com a ansiedade e a acalmar-se nos momentos de maior tensão. A respiração, a gestão de pensamentos e os diálogos internos são meios que utiliza para combater a ansiedade. E confessa que também já sabe identificar o tipo de dor cada vez que lhe dói a barriga.

"Eu consigo perceber se a dor que estou a sentir é uma dor de menstruação, é uma dor de estômago, é uma dor de fome, é uma dor de ansiedade... e quando é uma dor de ansiedade, eu já tenho ferramentas para lidar com isso e para me acalmar".

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"Não agradeço ter POC e acho que nunca vou agradecer"

Joana considera que a Perturbação Obsessiva-Compulsiva é uma doença "demasiado impactante na vida das pessoas" para alguém agradecer por isso. Ela própria confessa que não consegue dizê-lo. Por tudo aquilo que a doença tira e pelas consequências que tem na vida dos doentes e dos familiares e os que estão mais próximo.

Mas, neste processo que conseguiu ultrapassar ao fim de três anos, admite que agradece muito por ter feito psicoterapia. "Agradeço muito ter tido pessoas formadas e informadas sobre o processo terapêutico que estavam a fazer e que me levaram a este ponto".

"É diferente uma pessoa que já passou por isto dizer-nos: 'vais conseguir, vais ultrapassar. Vai-te doer física e psicologicamente deixares de fazer os rituais. Vais ter dores físicas e vais achar que não vais sobreviver a isto, mais vais sobreviver'".

Joana ainda faz parte do grupo terapêutico que a ajudou a ultrapassar a POC. À SIC, falou da importância da troca de experiências entre as pessoas que estão no grupo há anos e que têm as perturbações controladas e as pessoas novas que vão à procura de tratamento pela primeira vez.

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"Eu olhava à volta e o mundo estava na mente de um obsessivo-compulsivo"

Quando o Governo anunciou que os portugueses deviam evitar saídas e ficar em casa o máximo de tempo possível, quando se falou no confinamento, imposto por causa da pandemia de covid-19, Joana pensou que a POC tinha uma janela de oportunidade para voltar a manifestar-se. Mas isso não aconteceu.

Durante o confinamento, esteve sempre em casa e sempre ocupada a estudar. Em entrevista à SIC, diz que foi interessante ver o quão cansativo era para as outras pessoas as novas rotinas de desinfeção, usar luvas e lavar as mãos.

"O meu pai dizia-me assim: 'Eu agora nem consigo sair de casa. O trabalho que eu tenho para sair de casa, para ir às compras'", contou Joana.

A certa altura, olhou à volta e parecia que "o mundo estava na mente de um obsessivo-compulsivo". A atriz diz que aquilo que há alguns anos os psicólogos diziam para não fazer, agora as autoridades de saúde estavam a dizer à população para fazer precisamente isso: "lavem sempre as mãos quando vêm da rua"; "desinfetem tudo com álcool".

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"Sinto-me curada"

Joana Brás diz que não tem sintomas, não tem obsessões, não tem compulsões e, como tal, sente-se curada.

"É muito rápida a distinção na minha mente de quando um pensamento entra e esse pensamento começa a ser exagerado, e assim que ele começa a ser exagerado eu travo-o", rematou.

A atriz onsidera que é importante as pessoas acreditarem na cura apesar de muitos especialistas considerarem a Perturbação Obsessiva-Compulsiva uma doença crónica.

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"Não consigo perceber como é que não há apoio nas escolas. Esta situação escandaliza-me"

Olhando para trás, lamenta não ter falado com colegas do ensino secundário que tinham POC. Diz que via perfeitamente que tinham a doença e identificava quando estavam a fazer algum ritual.

"Arrependo-me de não ter ido falar com eles. Porque nessa altura, apesar de eu já não ter rituais, ninguém sabia desta parte da minha vida"

De acordo com as estatísticas, quatro em cada 100 portugueses tem POC. Ou seja, uma em cada 25 pessoas sofre da doença. Normalmente, o número de alunos por turma costuma rondar os 25, em alguns casos o número é maior.

Joana considera que as estatísticas dizem que em cada turma, um aluno tem ou vai ter POC. E lamenta a falta de apoio nas instituições de ensino em Portugal.

"Não consigo perceber como é que não há apoio para os alunos pelo menos do 10.º ao 12.º ano. Esta situação escandaliza-me".

A maior parte dos casos de Perturbação Obsessiva-Compulsiva é diagnosticada na infância/adolescência.

A Reportagem Especial da SIC, "Todos somos estranhos até percebemos que é normal", leva-o a conhecer a como é viver com medos, ansiedades e angústias, mesmo antes da pandemia aparecer. Pode vê-la aqui.

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